quarta-feira, 21 de outubro de 2015

APRENDENDO A OUVIR


Aprendendo a Ouvir
“Você somente conseguirá compreender o outro, caso se permita, nem que seja por alguns minutos, se esquecer de si”.
(Claudinei Almeida Milsone)

Quando nos propomos a prestar atenção ao que o outro fala, sem auferir julgamentos, sem realizar interrupções, deixando nosso orgulho de lado, estamos agindo como bons ouvintes e, consequentemente, realizando um ato de amor.
Para realmente ouvirmos alguém é necessário antes assumirmos uma posição de humildade. Quantas vezes fingimos ouvir uma pessoa enquanto nossos pensamentos se encontram em outros lugares. Quantos maridos não fazem isso com suas esposas, balançando a cabeça positivamente, mas no fundo não estão prestando atenção em nada do que elas estão falando.
E quando nossos filhos vêm nos contar algo dentro das experiências relativas à idade deles e julgamos aquilo sem importância, pois estamos com a cabeça presa nos problemas do trabalho, naquilo que teremos de realizar no dia seguinte ou nas contas que temos que pagar, achando que tudo isso é mais importante do que aquilo que nosso filho tem para nos dizer. Esquecemo-nos de que também já fomos crianças e adolescentes um dia. E eu pergunto: Será que existe algo mais importante em nossas vidas, do que os nossos filhos?
E outras tantas vezes, que alguém vem nos relatar um problema e o interrompemos para contar o nosso, acrescentando uma escala maior de sofrimento. Quantos não chegam a dizer: “Você acha isso problema, deixa eu te contar pelo que eu estou passando, que você vai chorar”. Agimos como se estivéssemos disputando o prêmio de Maior Vítima do Ano ou, em outras situações, que nem esperamos a pessoa terminar e como se fôssemos mágicos, já apontamos para a resolução do problema: “Faz assim ou assado para você ver como as coisas vão mudar”. Na maioria das vezes não temos soluções nem para os nossos próprios problemas, mas quando o problema é do outro, em 100% porcento dos casos sabemos a solução. 
Sem mencionar as ocasiões em que um amigo nos relata uma dificuldade que está tendo no relacionamento com o cônjuge e ou filhos e de pronto rebatemos: “Ah! Você dá muita moleza para ele ou para ela, parece “besta”, começa tratar desta ou daquela forma e você vai ver como ele (a) entra na linha”. Por quanto tempo continuaremos a nos iludir de que podemos mudar ou moldar outra pessoa.  A única pessoa que podemos modificar é a nós mesmos, pois só temos poder sobre o nosso eu não sobre o eu do próximo. 
 Isso ocorre frequentemente porque não ouvimos os outros para compreender, ouvimos para reagir. E o que devemos fazer para corrigir esse defeito, afinal, se temos dois ouvidos e apenas uma boca, é para ouvir mais e falar menos.
Temos que nos atentar que, na maioria das ocasiões, as pessoas somente querem desabafar seus problemas, compartilhar experiências, ou seja, querem ser ouvidas. Nossas opiniões e conselhos somente serão importantes para aquela pessoa caso ela venha a nos pedir, aí sim, poderemos falar, mas neste caso não estaremos reagindo de forma arrogante, vaidosa e orgulhosa, como nos exemplos relatados acima, mas sim agindo com humildade, pois estaremos atentos ao ato de ouvir e só passaremos a falar quando a outra pessoa pedir nossa opinião.
 Rubem Alves, um dos maiores escritores e educadores contemporâneos deste País, infelizmente já falecido, explana com sabedoria acerca do assunto no artigo de sua autoria “A Escutória”, publicado no Jornal Correio Popular, em 09/04/1999, e indica alguns caminhos que podemos seguir para nos tornarmos melhores ouvintes. Abaixo, destacamos alguns trechos do texto:
"Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Escutar é complicado e sutil. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais. Certo estava Lichtenberg – "Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas." Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...”
Eu ainda complementaria: “somos os mais bonitos..., logo os mais orgulhosos”.
Eu reconheço minha surdez e meu orgulho, mas sei que não estou sozinho no mundo. Acredito que mais de 99% da população mundial sofra deste mesmo mal. E quando reconhecemos esse defeito em nós, estamos dando o primeiro passo para abrir os ouvidos da alma.
Rubem Alves também faz a seguinte afirmação, no mencionado texto:
"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciando curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular".
Entendo eu que, além da dificuldade em encontrar alunos interessados em se matricular para o curso de escutatória, tão difícil quanto, seria achar um professor para ensinar.
Continuando, Ruben Alves, no mesmo artigo, faz a seguinte citação, traçando um paralelo entre o saber escutar e a essência da experiência religiosa:
“Somente aprendemos ouvir praticando o silêncio, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa – quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes, ouvimos a melodia que não havia que de tão linda nos faz chorar. Pra mim Deus é isso: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto”
Para finalizar, quantas vezes já não ouvimos alguém comentar que a verdadeira paz e harmonia entre os homens só é possível de alcançar através do diálogo. Então, porque ainda existem tantos desentendimentos familiares, profissionais, tantas guerras entre países? Simples, pelo fato do ser humano confundir o conceito de diálogo como sendo o ato de falar, de argumentar, de expor ideias. Todavia, a verdadeira essência do conceito do diálogo está em saber ouvir o outro, não para julgá-lo, mas para compreendê-lo e, para isso precisamos que nossa alma esteja em silêncio, refletindo amor e humildade. Quando a humanidade atingir esse grau evolucionário, todos os desentendimentos e todas as guerras não passarão de lendas remotas contadas nos livros de história. 
Para inspirá-los, fiquem com a letra traduzida da música “The Sound of Silence” (O Som do Silêncio), composta por Paul Simon:


The Sound Of Silence
Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left its seeds while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains within the sound of silence

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone
'Neath the halo of a street lamp
I turned my collar to the cold and damp

When my eyes were stabbed
By the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening

People writing songs
That voices never share
And no one dare
Disturb the sound of silence

"Fools" said I, "you do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach to you"
But my words like silent raindrops fell
And echoed in the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon God they made
And the sign flashed out it's warning
And the words that it was forming

And the sign said
"The words of the prophets
Are written on the subway walls
And tenement halls"
And whispered in the sound of silence


O Som do Silêncio
Olá, escuridão, minha velha amiga
Vim conversar com você de novo
Porque uma visão um pouco arrepiante
Deixou sementes enquanto eu dormia
E a visão que foi plantada em meu cérebro
Ainda permanece dentro do som do silêncio

Em sonhos sem descanso eu caminhei só
Em ruas estreitas de paralelepípedos
Sob a luz de uma lâmpada de rua
Levantei minha lapela para me proteger do frio e umidade

Quando meus olhos foram apunhalados
Pelo brilho de uma luz de neon
Que rachou a noite
E tocou o som do silêncio

E na luz nua eu vi
Dez mil pessoas, talvez mais
Pessoas falando sem dizer
Pessoas ouvindo sem escutar


Pessoas escrevendo canções
Que vozes jamais compartilharam
E ninguém ousava
Perturbar o som do silêncio

"Tolos" disse eu, "você não sabe
Silêncio é como um câncer que cresce
Me escute que eu posso ensinar você
Pegue o meu braço que eu posso estender ele para você"
Mas minhas palavras caíam como gotas silenciosas de chuva
E ecoavam nos poços do silêncio

E as pessoas se curvavam e rezavam
Ao Deus de neon que elas criaram
E a placa mostrou o seu aviso
Nas palavras que formava

E a placa dizia
"As palavras dos profetas
Estão escritas nas paredes do metrô
E nos corredores dos cortiços"
sussurradas no som do silêncio



Texto de Claudinei Almeida Milsone

Nenhum comentário:

Postar um comentário